Samsara
O que eu não cuido. Repete.
Eu tenho uma memória de 3 anos… me lembro dos meus pais me levando para uma fazenda, algo muito verde, com pessoas muito sorridentes em suas roupas estranhamente coloridas.
A memória vem em flashes…
A escultura no salão principal me pareceu imensa e estranhei a quantidade de flores e oferendas à sua volta, olhei para o meu pai e perguntei o que significava tudo aquilo, a resposta veio, algo como saudar um deus…
Me explicou que lá ninguém comia carne…
– Por que pai?
– Porque aqui as vacas são sagradas…
Minha mãe tentou ser mais precisa:
– Na Índia as vacas andam soltas pelas ruas, ninguém as come…
– Ahhhh….
– Aqui é igual!
Não me lembro dos detalhes daquela visita, apenas a curiosidade latente, as explicações distantes, o movimento e o verde intenso…
Na saída resolvi explorar o local por conta própria e logo avistei uma escadaria que da minha altura não conseguia enxergar o seu fim… iniciei a minha subida, mas logo fui interrompida pela minha mãe que me tirou bruscamente daquela jornada…
– Não faça mais isso!
E fiquei a observar da janela do carro as escadas, com uma pontinha de frustração e curiosidade.
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– Você quer ir lá? – Perguntei ao meu marido.
– Sim!
– Não me lembro direito como chegar, mas vamos perguntar para Marília, ela deve saber onde é… o local é bem conhecido aqui na região.
Subi os degraus do acesso ao templo e fui direto conferir a estátua, não era tão grande assim… e o salão estava um pouco desbotado, menos colorido talvez…
Iniciamos nossa investigação! Aqui é cozinha! Aqui são as salas de massagem! Aqui são as casas dos moradores! O riacho de águas límpidas, a pousada rústica, a comida vegetariana. Hoje tem lassi!
Saboreei as recordações que agora vinham com mais intensidade.
Estava assim a contemplar o jardim, quando a vi subindo, a escadaria sem fim…
Fiquei a observar o caminhar cambaleante e o esforço contínuo para chegar até o topo.
O vagar dos meus pensamentos foi interrompido bruscamente:
– Vamos! Já está na hora! Se demorarmos muito ficaremos no trânsito.
No caminho de volta, ela compartilhou:
– Mamãe queria subir a escada…
– Por que filha? Não tem nada lá…
– Mas eu queria subir…
O respiro veio junto com a memória, olhei para ela… tinha exatos 3 anos.